sábado, 13 de junho de 2009

As mãos dos pretos

Sem razão especial, a não ser o facto de ser uma "história" que me foi contada há muitos, muitos anos atrás, e que hoje, vá lá saber-se porquê, veio até mim logo pela manhã envolta na memória e na saudade de tempos idos.
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A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto:“Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos. Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido".
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Luís Bernardo Honwana, in Nós Matámos o Cão Tinhoso

2 comentários:

João Camacho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Camacho disse...

Parabéns, Maria José.
Que escolha tão bonita para abordar um asunto tão triste. Mas tem de ser encarado.
Ainda na passada sexta-feira, no âmbito de uma unidade da disciplina de História relativa aos encontros e confrontos da Humanidade, provocados pelos contactos entre os europeus com os ameríndios e as populações africanas após a era das Descobertas, visionámos na aula excertos do filme "Amistad". Filme intenso que provoca reacções... Deixo aqui o endereço do Youtube para visionarem um excerto deste filme, talvez o excerto mais intenso.

http://www.youtube.com/watch?v=Vo-JejTp7O4

Há que reflectir... o passado já lá vai, mas o presente permite ainda tantas formas de falta de respeito pela diferença, seja ela qual for...
Um abraço.