sábado, 12 de dezembro de 2009

O poema que morreu

Vagueando por aqui, encontrei este poema caído no chão e juntei-me à multidão.
Leiam (não se atrevam a desisitir por ser longo!) e digam se não é inesperado.
.
O poema que morreu
.
Um assassinato.
Tudo indicava assim.
E o coitado do poema, estirado,
era coceira na curiosidade pública.
.
Chegou o delegado
- e cismado -
foi tecendo em pensamento
as inconstantes formas da dúvida.
.
Uma interrogação passeava ali.
Crescia e engordava
- proporcional -
a cada pessoa que parava
na pele da já recém formada
multidão.
.
Não demorou muito e apareceu o legista.
Ele era meio esquisito,
tinha tique nervoso
e coceira na vista.
Examinou o já lido poema
e constatou o consumado fato:
- Morrera de amor, não de infarto.
Suicídio? Assassinato?
Quem faria o fatídico ato?
- Quem ??? perguntava o delegado.
.
E com um ar sherloquiano
pegou o morto nas mãos.
.
Sob os olhos atentos da multidão
exclamou a primeira descoberta:
- Não era amador o assassino, era poeta !
“Poeta ?” Indagou a multidão incrédula.-
Poeta! Confirmou alisando o imeeeenso bigode.
Chegaram então os repórteres,
a lavadeira,o bêbado ainda de porre,
a dona Julieta, o doutor Onofre,
e todos, do sul ao norte,
mastigavam a mesma pergunta:
“Um poeta, mas como é que pode ?”
- Simples! - Explicou o delegado...
A tristeza, num homem apaixonado,
dói além do sustentável.
No peito, abre um buraco.
Tanto insisteque
não resta escapatória,
com o dedo em riste,
atrás da porta,
persiste o crime.
A arma utilizada
não foi revólver,
não foi faca.
Foi um sentimento amargurado
delineado no papel
por uma caneta esferográfica.
Já a paixão - continua -,foi a vítima,
de vez esquecida,
varrida,
morta.
.
Não é caso de polícia,
por aí morre um amor por dia,
é uma palavra prolixa,
doída.
Dor nenhuma deve virar notícia,
fez bem o poeta em matar essa paixão.
.
E terminou largando o poema no chão.
Seguiu em frente, sumiu na multidão
que por sua vez se desfez
com a mesma rapidez
que se formou.
.
Mas do vazio que ficou - dilacerado,
permaneceu solitário
um adolescente
com os olhos molhados
e uma caneta na mão.
Em passos lentos, assimilados,
aproximou-se do poema
no chão largado
e guardou no bolso
a história do amor
que minutos antes havia escrito,
e por qualquer descuido
havia perdido...
Ricardo França
.
Ricardo França de Gusmão é poeta e jornalista. Foi repórter especial de O DIA, onde conquistou o Prémio Internacional de Reportagem da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP-Miami), em 1997, categoria Direitos Humanos, com a série de reportagens de investigação "Nota 10 em Violência", denunciando o tráfico de drogas nas escolas do Rio. A reportagem foi considerada a melhor contribuição da Imprensa nas Américas no combate ao narcotráfico. A ele se devem dois festivais de poesia, PoÊterÊ e PoÊtisÁ, de Teresópolis e Nova Friburgo, respectivamente. É Delegado da APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Rio de Janeiro) em Nova Friburgo.

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