quinta-feira, 21 de junho de 2012

História de uma conta de somar


Em dia de exame de Matemática, um belíssimo poema de Manuel António Pina.

Uma conta de somar

sensível às coisas belas

pôs-se a contar as estrelas

numa noite de luar.


Estava ela a olhar o céu

somando infinitamente

quando uma estrela cadente

luziu e desapareceu...


Com uma parcela cadente

não estava a conta a contar!

Que fazer? Passar à frente?

Contá-la? Não a contar?


Fazer de conta que não

se dera conta de nada?

Mas, e depois, a adição?

Não daria conta errada?


E quando ela fosse dar

contas à prova dos nove?

Ia a prova acreditar

em parcelas que se movem?


E a conta achou-se a contas

contemplando o céu sereno

com um problema terreno

difícil de resolver.


A solução que encontrou

foi terra-a-terra também:

quando um problema não tem

solução já se solucionou...


E, contas feitas, a conta

decidiu fazer de conta...

Estava a contar estrelas,

não a tomar conta delas!


Fingiu, pois, que não deu conta

da escapadela da estrela,

afinal a vida dela

não era da sua conta!



Só que enquanto fazia

tais contas à conta dela

a manhã amanhecia

e apagavam-se as estrelas.


Nasceu o sol, fez-se dia,

e o quadro negro do céu

aonde a conta fazia

contas desapareceu...


 
Nunca antes uma conta

teve tanto que contar

como a conta de somar

que quis contar as estrelas!


                   Manuel António Pina, Pequeno Livro da Desmatemática

Sem comentários: